Prof. J. A. Lucas Guimarães *
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O racismo é crime! Isso somente é possível afirmar porque a legislação brasileira prescreve leis específicas com a finalidade de combater o racismo e promover a igualdade racial. O marco legal e fundamental à garantia da igualdade de direitos e combate de práticas discriminatórias em todas as esferas da sociedade é a Constituição Federal de 1988 (CF/1988), também chamada de “Constituição Cidadã”. E não é difícil de entender o motivo de lhe conferirem esse apelido. Ela inscreve “a cidadania” e “a dignidade da pessoa humana”, como parte dos fundamentos do Estado Democrático de Direito brasileiro (Art. 1º, incisos II e III). Conforme sinaliza o “Preâmbulo” constitucional quanto à instituição do Estado Democrático brasileiro, “como destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”, subentende-se como exercício da cidadania e em defesa dela. Portanto, a cidadania é uma condição unicamente de naturalidade, que não comporta em si níveis de status à distinção de classe de cidadania ou entre cidadãos, mas nivelamento, isto é, “sem preconceitos de origem” (Art. 3º, inciso IV) dada à sua natureza, como acesso imediato ao seu exercício pleno.
Observa-se pelo “Preâmbulo” constitucional, que a igualdade racial é prevista por estar vinculada a um dos valores fundamentais, ou seja: o exercício da igualdade como valor supremo “de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceito.” Esse é o entendimento, principalmente, quando relacionado aos fundamentos pétreos constitucionais brasileiros antirracistas, a saber:
I – Do Estado Democrático de Direito: “a cidadania” e “a dignidade da pessoa humana” (Art. 1º, incisos II e III).
II – Dos objetivos fundamentais da nação: “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (Art. 3, inciso IV).
III – Dos princípios que regem as relações internacionais: “prevalência dos direitos humanos” e “repúdio ao terrorismo e ao racismo” (Art. 4º, incisos II e VIII).
IV – Dos direitos e deveres individuais e coletivos: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros [...] a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (Art. 5º).
Conclui-se, pela clareza dos dispositivos constitucionais elencados, que a “alma” da sociedade brasileira foi instituída para se constituir em efetiva cidadania da igualdade em reconhecimento e aceitação da dignidade da pessoa humana. Portanto, a igualdade racial é parte da própria essencialidade e existencialidade brasileiras, onde o racismo é repudiado como negação à brasilidade, uma sociedade sem preconceito.
É sobre essas referidas normativas pétreas constitucionais, onde o racismo foi declarado como repúdio à ciência das relações internacionais, que se avança na constitucionalidade de sua tipificação como crime pela CF/1988 (Art. 5º, inciso XLII): “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.”
No ano seguinte à promulgação da CF/1988, como regulamentação do Art. 5º, inciso XLII, foi sancionada a principal legislação brasileira sobre o racismo: a Lei nº 7.716/1989, conhecida como “Lei do Racismo”. Ela define “os crimes resultantes dos atos de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional” (Art. 1º) e estabelece penas claras às seguintes situações:
I – Impedir ou dificultar o acesso de pessoas a cargos públicos por motivo de raça ou cor;
II – Recusar atendimento em estabelecimentos públicos ou comerciais por questões raciais;
III – Praticar, induzir ou incitar o racismo em qualquer forma.
Sancionada em 2023, a Lei nº 14.532/2023 concedeu um avanço de imensa pertinência ao tipificar a injúria racial como crime de racismo, com pena de dois a cinco anos de reclusão e multa. Tem-se, portanto, a elevação da gravidade do crime de injúria racial e da severidade de sua punição, assemelhada às sanções previstas ao racismo.
Dentre os citados dispositivos legais, ao sancionar a Lei nº 12.288/2010, o Brasil passou a contar com o Estatuto da Igualdade Racial. Por ele, busca-se promover a equidade de oportunidades à população negra e lhe garantir a igualdade de acesso à educação, saúde, trabalho e moradia, como também incentiva políticas públicas voltadas à valorização da cultura afro-brasileira e à inclusão social, conforme se verifica, a seguir, na transcrição de suas “Disposições preliminares”:
Art. 1º. Esta
Lei institui o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir à população
negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos
individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas
de intolerância étnica.
Parágrafo único. Para efeito deste
Estatuto, considera-se:
I – Discriminação racial ou
étnico-racial: toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em
raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto
anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de
condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político,
econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou
privada;
II – Desigualdade racial: toda situação
injustificada de diferenciação de acesso e fruição de bens, serviços e
oportunidades, nas esferas pública e privada, em virtude de raça, cor,
descendência ou origem nacional ou étnica;
III – desigualdade de gênero e raça:
assimetria existente no âmbito da sociedade que acentua a distância social
entre mulheres negras e os demais segmentos sociais;
IV – População negra: o conjunto de
pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça
usado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou
que adotam autodefinição análoga;
V – Políticas públicas: as ações,
iniciativas e programas adotados pelo Estado no cumprimento de suas atribuições
institucionais;
VI – Ações afirmativas: os programas e
medidas especiais adotados pelo Estado e pela iniciativa privada para a
correção das desigualdades raciais e para a promoção da igualdade de
oportunidades.
Art. 2º. É
dever do Estado e da sociedade garantir a igualdade de oportunidades, reconhecendo
a todo cidadão brasileiro, independentemente da etnia ou da cor da pele, o
direito à participação na comunidade, especialmente nas atividades políticas, econômicas,
empresariais, educacionais, culturais e esportivas, defendendo sua dignidade e
seus valores religiosos e culturais.
Art. 3º. Além
das normas constitucionais relativas aos princípios fundamentais, aos direitos
e garantias fundamentais e aos direitos sociais, econômicos e culturais, o Estatuto
da Igualdade Racial adota como diretriz político-jurídica a inclusão das
vítimas de desigualdade étnico-racial, a valorização da igualdade étnica e o
fortalecimento da identidade nacional brasileira.
Art. 4º. A
participação da população negra, em condição de igualdade de oportunidade, na
vida econômica, social, política e cultural do País será promovida, prioritariamente,
por meio de:
I – Inclusão nas políticas públicas de
desenvolvimento econômico e social;
II – Adoção de medidas, programas e
políticas de ação afirmativa;
III – modificação das estruturas
institucionais do Estado para o adequado enfrentamento e a superação das
desigualdades étnicas decorrentes do preconceito e da discriminação étnica;
IV – Promoção de ajustes normativos para
aperfeiçoar o combate à discriminação étnica e às desigualdades étnicas em
todas as suas manifestações individuais, institucionais e estruturais;
V – Eliminação dos obstáculos
históricos, socioculturais e institucionais que impedem a representação da
diversidade étnica nas esferas pública e privada;
VI – estímulo, apoio e fortalecimento de
iniciativas oriundas da sociedade civil direcionadas à promoção da igualdade de
oportunidades e ao combate às desigualdades étnicas, inclusive mediante a
implementação de incentivos e critérios de condicionamento e prioridade no
acesso aos recursos públicos;
VII – implementação de programas de ação
afirmativa destinados ao enfrentamento das desigualdades étnicas no tocante à
educação, cultura, esporte e lazer, saúde, segurança, trabalho, moradia, meios
de comunicação de massa, financiamentos públicos, acesso à terra, à Justiça, e
outros.
Parágrafo único. Os programas de ação afirmativa
constituir-se-ão em políticas públicas destinadas a reparar as distorções e
desigualdades sociais e demais práticas discriminatórias adotadas, nas esferas
pública e privada, durante o processo de formação social do País.
O Brasil, como Estado de direito democrático, tipifica o racismo e a injúria racial como crimes “inafiançáveis e imprescritível, sujeito à pena de reclusão.” Portanto, as piadas racistas, que se diga, de mau gosto, usadas como meio de afirmação social pela via do preconceito, torna o autor semelhante a história do bobo da corte real: de quem riam e não de suas piadas, porque a cada piada uma forca era imposta à sua cabeça.
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[*] O prof. J. A. Lucas Guimarães é docente-efetivo da disciplina de História na Escola Estadual Margarida Pinho Rodrigues, sob jurisdição da Diretoria de Ensino - São Vicente (SEDUC/SP).
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